sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Deserto d'alma.

"Mas quando tudo falta ao homem, quando ele se vê sem recursos, no momento em que pensa chegada a hora de sucumbir de dor, manifesta-se então a intervenção da Providência" - Jules Verne, Os Filhos do Capitão Grant. Na Austrália Meridional.


Caminhava, passos trôpegos. Vento quente em seu rosto, seu corpo não mais parecia ter água para desidratar-se. Seus olhos turvavam-se e ele já não dava atenção às miragens.

Aquele deserto sem fim parecia ser dele. Como uma área cercada, protegida até mesmo de abutres. Ele se sentia vazio de fome e de alma. Via o mundo como se esse tremesse a cada passada dele. Finalmente ele desabou e caiu, a boca enchendo-se de areia. Tossindo como podia, seus pulmões tentando fazê-lo sobreviver, ele permaneceu deitado no manto quente e liso de areia. Não havia sequer uma pessoa para lhe estender a mão. Não havia uma só gota de água para que pingasse nos lábios. Ele estava só naquele deserto particular.

Conjecturando sobre os motivos de ali estar, ele entendeu. Nunca estivera lá para estender a mão a alguém. Negara água e comida a um idoso morador de rua. Fora cruel com os amigos que tentavam lhe mostrar isso e era oportunista sempre que lhe havia a ocasião de sê-lo.

"Por Deus, estarei eu, no Inferno? Minha alma clama por ajuda. Sei que fui mal e não a mereço, mas Pai, eu preciso de sua proteção. Dai-me coragem para redimir-me. Dai-me a oportunidade."

Clamava aos sete ventos de seu deserto particular que começava a escurecer. Nuvens densas juntavam-se no zênite. Ele sentiu o vento resfriar e logo em seguida a chuva cair. Estava lá, portanto, a ajuda da Providência.

Carlos acordou de sopetão, o peito ofegante, úmido de suor, como se realmente tivesse tomando um banho de chuva. Seu peito ainda parecia cheio de poeira. Ele sorriu, depois de muito tempo. Levantou-se e foi cumprir sua parte no acordo que (ele bem sabia) fizera, não com Deus, mas com seu coração empoeirado pelo seu deserto particular.

Nenhum comentário:

Postar um comentário