quinta-feira, 24 de março de 2011

Fera-Humana 8

Data: 31 de Janeiro
Hora: 14:00
Local: Crowne Plaza Hotel, suíte 100.

Ouvia-se, por dois andares inteiros o batucar irritante dos sapatos sociais acompanhados pela bengala de Stanley, o hóspede biruta da centésima suíte.

Marie Guilhermo tomava chá, respirando lentamente, em uma suíte no térreo, logo abaixo da de Stanley. Executiva de sucesso, tirara o fim de semana para relaxar, esquecer um pouco da França e, de vez em quando, guardar o salto agulha bico fino e usar confortáveis chinelos de borracha. Bem, basta dizer que a parte dos chinelos se concretizou, mas a referente a relaxar não chegou nem perto. Quis o Destino que Marie escolhesse exatamente aquela suíte, onde se podia ouvir tudo que acontecia acima e aos lados.

Quando o avião dela pousara nos Estados Unidos, na sexta-feira, ela nunca imaginaria que aquela viagem de férias a deixaria ainda mais estressada. Ao chegar no Crowne Plaza Hotel, Stanley estava saindo junto de Osmond, logo de manhã. Ela ignorara completamente a presença daqueles estranhos que, tinha certeza, eram ingleses. "Malditos ingleses com seus sobretudos bregas, espalham-se por todo o mundo como a gripe espanhola!", fora o pensamento que tivera, quase inconscientemente da rixa clássica entre os franceses e os ingleses. Algum tempo depois, acomodada e fumando um cigarro com toda a classe que cabe aos franceses, Marie ouviu um barulho de pés apressados, junto com um som forte que podia ser uma perna de pau ou mesmo uma bengala.

Não é necessário dizer que aqueles sons foram os primeiros de uma sinfonia infernal que durou toda a noite e manhã de sábado, finalmente parando às dez horas da manhã em ponto. E Marie dormiu. Dormiu como um anjo, o quadragésimo quinto cigarro ainda na boca, todo mordido, das horas de raiva passadas. Cinco horas depois fora despertada por vozes altas, vindas do apartamento de cima. Irritada, caminhou até a porta e escancarou-a, seu rosto, a imagem dos portões do Tártaro. Perguntou, xingou e reclamou com o gerente do hotel que prometeu resolver o problema, mesmo sabendo ser impossível. Ao aceitar o check-in dos detetives, sabia que seriam hóspedes incomuns e excêntricos, mas com bolsos recheados de libras.

Ao voltar para o quarto, o silêncio reinava.Sentou-se em uma fofa poltrona e abriu um livro. E os sons recomeçaram. A noite terminou, a manhã veio e se foi, acompanhada da tarde e, no fim, Marie se levantou, um grito ecoou e ela soube que algo estava terrivelmente errado.