sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Fera-Humana 4

Data: 28 de janeiro
Hora: 10:20 a.m.
Local: Departamento de Homicídios, Scotland Yard, sala 10.

Ouvia-se apenas três sons no recinto: uma bengala batendo na madeira, acompanhada de dois passos, em uma sinfonia repetitiva, infernal. Um homem caucasiano, alto, com cabelo ralo, olhos inteligentes e terno alinhado era o maestro dessa sinfonia. Parecia irritado, as sobrancelhas coladas. Foi quando a porta foi aberta que ele parou no meio da sala, batendo a bengala no chão.

-Osmond Champollion! -Bradou, a voz saindo mais poderosa do que ele esperava. O homem que entrara era o oposto dele. Terno usado, gravata frouxa, olhar inocente e bem mais novo. O homem estacou e ergueu as sobrancelhas, bebendo um gole do café que tinha em mãos.

-Stanley Exupéry! -Gritou de volta em uma imitação perfeita de sua voz. O homem de bengala corou um pouco, mas não perdeu a expressão dura.

-Sei que sua família é francesa, mas você está na Inglaterra, rapaz. Deve se apresentar no trabalho na hora e não vinte minutos depois. Por causa desses atrasos, o Capitão McCarty sempre coloca toda a maldita culpa em mim! -Stanley estava bem irritado. Não era superior à Osmond, era seu parceiro, mas de vez em quando o amigo deveria ser colocado na linha. Ele se sentou, a expressão completamente mudada. Agora tinha seu olhar comum. Haviam dois jornais à sua frente, abertos em sua mesa. Outra coisa que mostrava que duas pessoas completamente distintas dividiam aquela sala eram as mesas. A de Stanley chegava a brilhar com a limpeza e a organização, mas a de Osmond... bem, digamos apenas que não era possível, de fato, ver a mesa de Osmond. Stanley apoiou o queixo em uma das mãos enquanto lia uma matéria de cada jornal. Eles pareciam velhos, mas em perfeito estado.-Venha aqui, por favor, Os.-Disse, com calma, levantando-se e cedendo lugar à ele. No jornal, haviam duas manchetes grifadas à caneta e régua, em uma linha contínua e perfeita, obviamente feita por Exupéry. Os casos grifados eram distanciados em cinco semanas e dois dias cada. A primeira dizia apenas "Magnata vencedor do processo decorrindo ontem é encontrado morto em sua própria casa", seguido da descrição. Um corte feito por uma lâmina afiada, provavelmente uma faca, havia cortado a garganta do senhor Holder. A casa havia sido arrombada. Era apenas o que havia na reportagem. Malditos jornais de subúrbio. Bem, o segundo jornal tinha a manchete: "Carl Montgomery, o homem que matou seus filhos gêmeos para não pagar a pensão foi encontrado morto", o resto da reportagem dizia que ele fora encontrado dentro de seu carro, ligado, sufocado por carbono. A polícia pensara em suicídio primeiro, mas havia a marca de soco no rosto, dentes quebrados e o homem estava amarrado. A janela havia sido arrombada.

-Legal, Stan, então é nisso que vem trabalhando? Não sei se percebeu, mas é meio longe da nossa jurisdição. Os assassinatos aconteceram nos Estados Unidos!-Osmond disse, com uma expressão de pena, como se o amigo estivesse perdendo o jeito. Stanley coçou a nuca, apoiado na bengala.

-Você tem planos melhores para nossas férias do que pegar um Serial Killer?-Perguntou, os olhos espertos brilhando. Havia quatro anos que não tiravam férias e agora parecia ser o momento ideal.

-Não sei, Stan, ele me parece um vingador.

-Antes de ser um vingador, ele é um assassino em série. Bem, eu estou decidido, minha mala está pronta. Esses americanos não sabem como prender um maldito idiota metido a super-herói. Podemos ajudá-los. Você vem comigo?-Stanley falava rápido quando estava animado e, Deus, ele realmente estava animado. Caminhou até a porta e a abriu enquanto Osmond olhava perdidamente para o jornal. Bateu decidido a mão na mesa, dobrou os jornais de qualquer maneira e os guardou no bolso. Stanley vestia seu sobretudo preto.

-Ok, eu só vou para poder salvar sua maldita pele!-Disse, a voz irritada, mas o coração emocionado com a aventura.-Vá comprando as passagens de avião. Eu vou pegar minhas malas.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Fera-humana 3

Um ano, dois meses e quatro dias haviam passado desde meu último surto noturno. Na verdade, parecia que eu estava passando por uma maré de sorte. Sem sangue rubro manchando minhas negras luvas. Sem gritos de morte ressoando em minha cabeça. E, principalmente, sem o prazer de fazer justiça rasgando minhas veias.

Durante todo este tempo de estagnação eu pude relembrar como era ter uma vida normal, relembrar como era fazer justiça do modo certo, ganhando casos em um tribunal. Desde meu último frenesi, eu ganhara todos os casos que caiam em minhas mãos e com isso também ganhara muito mais respeito das autoridades vigentes. Isso era bom, pois eu os tinha sob minha mira vinte e quatro horas por dia.

Eu gostava de comparar este mundo no qual eu havia me infiltrado com um pântano. Depois de muito trabalho e força você consegue tirar algum lucro do fundo daquele grande mar de sujeira e corrupção.

Mas (porque sempre tem que ter um "mas"?) tinha este caso. Richard "Dick" Stocker, um típico pai de família, pagava suas contas, trabalhava de segunda a sábado, matara sua mulher por uma traição descoberta... Dick, um dia, foi até meu escritório. Eu trabalhava em um caso de pensão alimentícia (como um favor para Robbie, um amigo sem muitos talentos nos espinhosos ramos do direito), quando ele entrou. O homem até mesmo parecia um clichê de filmes de detetive, terno quadriculado, calvo, com uma mania irritante de usar um lenço para limpar a careca. Trazia uma mala nas mãos, provavelmente com todos os papéis para o processo. Larguei a pasta, erguendo o olhar para o senhor e antes mesmo que eu dissesse meus problemas, ele despejou toda a sujeira em cima de mim.

-Boa tarde, eu conheço sua fama, sei que já tem ganho casos initerruptamente há um ano. Quero que me defenda no tribunal, mas para isso precisa saber a história. -Foi muito estranho ouvir o senhor Stocker deixar toda a história fluir por sua boca sem nenhum maldito sentimento de culpa. Ele havia tentando, primeiro, envenenar a mulher, mas não soubera exatamente a quantidade de arsênico que deveria colocar em sua comida para que ela não sentisse o gosto, por isso colocou pouco demais, apenas o suficiente para que a senhora Stocker tivesse uma crise de vômitos. Frustrado, ele resolveu contratar alguém para fazer o trabalho para ele. Uma noite depois de feito o chamado do profissional, enquanto a mulher se divertia com um amigo do trabalho na casa dele, ela levou três tiros na nuca. Os tiros atravessaram seu crânio, matando junto o amante. Infelizmente para Dick, o profissional não era tão profissional assim. Sua nove milímetros não tinha silenciador e toda a vizinhança havia notado, inclusive o vizinho policial. O homem foi preso e indicou o contratante depois de duas horas na delegacia. -Pois então. Esta é a história. Me tire desta. Dinheiro não é o problema. -Acho que nem se eu fosse um advogado de filmes eu conseguiria tirar este canalha da enrascada na qual se metera. Pelo menos não do jeito que ele esperava. Na hora em que ele parou de tagarelar, eu pude sentir um leve movimento no meu sub-consciente, meu "eu-lunar" acabara de despertar de um longo sono.

É claro que não aceitei o caso. Nunca defenderia aquele homem e como sabia que meu "eu-lunar" acabaria com a raça daquele desgraçado com requintes de crueldade, não queria meu nome envolvido no caso.

Apagão. A escuridão me envolvia a cada vez que meu sub-consciente me dominava. Quando acordei, o coração à toda, me vi deitado em minha cama, minha roupa já em meu corpo, levemente grudada pelo suor. Já estava até com minhas luvas negras. Um táxi businava na frente da minha casa, irritantemente insistente. Sorri e me levantei. Senti o gélido toque da lâmina de minha faca presa em meu cinto branco. O único macular daquela brancura devia-se ao tom negro de minhas luvas. Saí de casa. O alvo havia deixado um cartão comigo, "caso eu mudasse de idéia". Ele devia saber que meu "eu-lunar" não me deixa mudar de idéia. Quem tem a mente fraca nessa relação é meu "eu-solar", pálido, sorridente e inocente. Dei um endereço há um quarteirão do meu destino. Não precisava de um taxista idiota me denunciando às auto-denominadas autoridades. Desci do carro e cheguei na casa do alvo mais rápido do que esperava. Tateei em meu bolso e encontrei meu celular. Disquei o número do cartão. Eram onze horas. Uma luz se acendeu na casa e o contorno difuso de uma pessoa pegou o telefone. Antes que ele dissesse qualquer coisa, eu disse:

-Você tem visita. -E desliguei. Simples assim. A imagem do homem olhando para o telefone, provavelmente com um semblante confuso, fez um sorriso brotar em meus lábios. Ele largou o telefone e foi até a porta. A partir daí não pude ver mais nada. Fui até a janela de seu quarto, idiotamente aberta. Entrei por ali e me lembrei de uma frase que mamãe dizia: "Os únicos que morrem afogados são os que sabem nadar". Sorrindo, infiltrei-me na escuridão do quarto, próximo ao armário. Ouvi a porta sendo aberta e a voz do alvo. "Malditos passadores de trote!", logo em seguida ouvi seus passos aproximando-se. Uma animação negra fez meu coração saltar. Meu "eu-lunar" regozijava-se com a futura morte. O terceiro causado pelas mãos da justiça dos homens.

O alvo não teve tempo nem de gritar. Com velocidade, foi imobilizado, ambos os braços sendo quebrados para trás com golpes que nunca havia aprendido. O sorriso não saia de meu rosto enquanto fazia o pobre Dick desmaiar de dor.

Quinze minutos depois ele acordou, preso à própria cama pelas pernas e braços, os quatro membros quebrados em fraturas expostas. A dor era insuportável. Ele estava pálido, sangrando até a morte. Cada segundo sendo acompanhado por um homem de branco que o olhava, sorrindo. Sabia que seria seu fim. Com um último suspiro desesperado, uma última gota do precioso liquido rubro derramada, quando o último gorgolejar refinado de pavor e dor foi liberado, ele morreu. O sorriso desapareceu do rosto da figura e ela saiu pela janela. Trabalho concluído.

Quando acordei em minha cama, tinha duas novas sacolas aos meus pés. Roupas para meu próximo ataque. Sorri, sentindo o cheiro de queimado que vinha do porão. As roupas antigas. A justiça havia sido feita.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

All we are saying is give peace a chance!

Hoje é um dia muito feliz para mim. Finalmente foi o último dia de aula e se eu soubesse que seria aquela choradeira desnecessária toda, levaria um snorkel. Não sei qual o motivo de tudo aquilo, como se uma parte de você ficasse para trás junto das pessoas, mas isso não importa. Fiquei extremamente satisfeito com o resultado do ano, mais uma caminhada para a morte o futuro! Que piegas, heim?

Mas então, não vim falar disso. Vim discutir um assunto muito comum, mas que acho que depois de tanto ser discutido, acabou por cair em desuso, como uma meia de lã no verão. A Guerra. Não, não vim falar das grandes guerras nas quais muitos embarcam e poucos desembarcam. Vim falar nas pequeninas guerras do nosso cotidiano, aquelas que os participantes desse macabro jogo entram vivos e saem vivos, só que com a mente embaralhada e o coração em frangalhos. Com sorte, só um dos lados sai desta maneira, mas geralmente ambos se machucam, o que me leva à pergunta: what the hell? Certo, eu entendo que as guerras devam acontecer em um apocalipse zumbi, onde uma lata de feijão em conserva realmente vale a vida do seu adversário, mas aqui? Agora? Não vejo necessidade.

As guerras de bilhetes são as piores. Olhares raivosos trocados entre uma e outra pista lançada. Mais ou menos como no jogo Detetive. Você sabe que arma foi usada, mas não sabe quem foi o assassino.

Tenho de dizer, atualmente eu estou em uma dessas guerras. E o mais "legal" é que meu inimigo é do meu próprio sangue. Eu estou dentro de uma infantil guerra de bilhetes.

Fico pensando... não posso mais escrever o que eu penso que as pessoas tomam como uma crítica pessoal. Cara, isso não é legal. Se bem que quando eu lí Crepúsculo eu tomei aquela merda toda como uma porrada no meu orgulho.

Não sei, não pretendo muito discutir sobre o assunto porque só o nome "guerra de bilhetes" já soa auto-explicativo para mim. Só queria que as pessoas cumprissem com suas obrigações e vivessem sua vida. Não gosta do que outra pessoa pensa? Sorria e ignore. Honre as calças/saias que veste! Mas, como não sou bobo nem nada, não acredito que um dia isso aconteça. Afinal, o que as pessoas pensam, às vezes soa tão real que você começa a se questionar e tem medo de mudar o pensamento. Essa é a humanidade que eu amo.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Meu vício, minha imaginação.

Hoje eu vim aqui querendo precisando escrever, mas não sabia sobre o quê. Escrevi duas linhas e a tempestade de verão chegou, me obrigando a desligar o computador e matar meu tédio com mais tédio. Talvez tenha sido providência divina, não sei, mas o que sei é que agora eu tenho um tema sobre o que falar.

Algumas pessoas se afastam de mim porque eu não partilho de seus vícios (futebol, cigarros, bebida, raves), achando que por isso eu me sinto o puritano. Não é verdade. O fato de eu preservar pela minha saúde (física e mental) não tem nada a ver com isso. Não faço de mim um exemplo de jovem, pois estaria sendo ridículo e afrontando a mim mesmo.

Eu já tentei beber e o resultado foi catastrófico. No primeiro gole, a careta foi mais forte do que minha dignidade. Acho que se eu experimentasse um cigarro, morria de falta de ar em uma só tragada. Já tentei ouvir música eletrônica, mas aquela repetição de sons unidos às imagens borradas de uma festa não me apetecem. Não acho que eu deva me deixar levar pelas pessoas que me rodeiam nem vice-versa. Eu tenho meus próprios vícios, mas deles eu não tenho vergonha.

Semana passada, ao comentar sobre o livro que eu estava lendo (Sétimo de André Vianco, muito bom, por sinal) com uma colega de curso, ela riu e falou que minha mania de ler estava começando a se tornar um vício perigoso para mim. Não vou dizer que foi a coisa mais imbecil e infantil que eu já ouvi dela, porque estaria mentindo, mas isso não vem ao caso. O que me encomoda é o fato de que, se ela acha isso, outras pessoas também devem achar! Por que na sabedoria e na burrice, uma coisa é certa: nunca estamos sozinhos!

Essa idéia me assustou por um tempo, mas depois me conformei com a minha imagem de nerd-viciado-em-leitura. Na verdade, acho que os livros são só uma parte da química mágica que se desencadeia em meu cérebro quando leio uma história nova. Pessoas, animais e lugares novos ganham lugar entre minhas sinapses e isso, pode anotar, deve dar mais onda que LSD. E o legal da leitura é que depois de anos lendo, você não contrái o cérebro e perde neurônios. Au contráire! Nosso cérebro se expande e podemos aprender mais e mais coisas!

Além de tudo isso, comigo funciona assim: mesmo que eu leia um livro que não me interesse tanto, minha imaginação muda a história, faz um novo enredo, trama os personagens intrínsecamente deixando até o mais chato dos livros bem mais interessante.

Não sei, pode ser um vício perigoso para mim, mas acho que ganho mais do que se eu estivesse pelos cantos fumando um cachimbo de crack.