domingo, 20 de fevereiro de 2011

Fera-Humana 7

Data: 29 de Janeiro
Hora: 09:30
Local: St. Antony Central Hospital

Devido ao seus amigos nos Estados Unidos, Stanley havia conseguido um embargo no último corpo, Carl Montgomery, assassino de seus próprios filhos. Depois de uma viagem demorada de táxi devido ao trânsito, eles chegaram no St. Antony Central Hospital. Não carregavam maletas nem casacos ou guarda-chuvas, como a maioria. A única coisa que Stanley tinha na mão era seu relógio de bolso. Tudo corria bem, haviam chegado meia hora antes do encontro com o legista a despeito do trânsito.

Talvez fosse a mórbida convivência com seus pacientes, mas Gary Powell, o legista amigo de Stanley se assemelhava muito a um morto. Magro, cabelos ralos e sujos, profundas olheiras, pele pálida. Quando os dois detetives entraram pelas portas duplas do necrotério, ele nem se deu ao trabalho de sorrir. Talvez fosse por isso que Powell e Exupéry fossem tão amigos: eles não seguiam as normas sociais. Por outro lado, Osmond sorrira abertamente para o legista que ergueu os olhos para avaliá-lo e voltou a atenção para o cérebro que pesava. Com um dedo comprido e fino, indicou um armário de metal próximo a ele. O sorriso de Osmond murchou de tal maneira que parecia escorrer por seu rosto.

Stanley pigarreou, manteve o corpo ereto e caminhou, aos cambaleios, para a gaveta. Girou a chave que ali pendia e puxou-a, revelando um cadáver masculino, as lacerações no pulso bem evidentes, significando que ele havia lutado para fugir de seu cárcere. Uma marca em seus lábios indicava o uso de força bruta. Ele fora surpreendido durante a noite. O soco na boca havia sido um sossega-leão. Stanley sorriu. Havia alguma coisa nos lábios do homem que não devia estar ali. Alguma coisa além da marca do punho grande, de um homem. Exupéry escorregou a mão por seu casaco, como uma cobra e pegou uma lupa. Quando ergueu os olhos para o corpo, Osmond já estava examinando-o com sua própria lente.

-Tem de ser mais rápido, Stan. -Sorriu e Stanley revirou os olhos, apoiado na bengala.-Ah, eu reconheço essa marca...-Sussurrou o mais jovem dos detetives, os olhos, ampliados pela lupa, brilhando como os de uma criança ao ganhar um brinquedo novo.-Stan...

-Fale logo, homem!-Esbravejou o parceiro, tentando enxergar naquela massa vermelha que era a carne dilacerada.

-Acho que nosso assassino é um advogado.-Sussurrou Osmond, os olhos arregalados, agora sem o auxílio da lupa.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Ensaio sobre o futuro

É noite mas não se vê muitas estrelas. As nuvens grossas dividem-se ao sabor do vento, ocupando a cada instante o lindo céu que há ali, escondido.

A todo o entardecer, Anna, 12 anos, sai de seu trabalho suja de carvão mineiral (o vegetal já não mais existe) e senta-se na varanda de sua modesta casa feita de pedras toscas e desencontradas, a um sopro de desabar. Fica ali sentada, olhos fixos no céu, esperando uma oportunidade de poder vislumbrar algum brilho lá em cima. Talvez Sírius Prime ou Marte. Uma vez, quando tinha sete, conseguiu ver toda a constelação de Andrômeda. Fora o dia mais emocionante de sua vida e também a última vez que chorara até hoje. Toda vez que percebe uma estrela, seus olhinhos marrons piscam, como uma máquina fotográfica, tentando gravar os momentos raros. Em sua cabeça tinha todo o mapa estelar desenhado, as estrelas que já vira antes circuladas de rosa.

Ela era uma apaixonada. Uma das mais velhas em sua mina, no pequeno intervalo de cinco minutos só falava do espaço e das luzes que, na verdade, eram maiores que nosso planeta, mas que parecem tão pequenas que dão a impressão de serem glitter que pode ser guardado no bolso para ser visto quando se quiser. Mas não é assim e ela sabe disso.

Mas essa noite é diferente. Por um fugidio instante ela viu uma grande luz, maior do que todas as outras, tão forte que ardeu-lhe os olhos.

Era a primeira vez na vida que Anna via a lua.

Sua boca abriu-se em um pequeno "o" e seus olhinhos piscaram furiosamente. É claro que ela sabia que a lua existia, sabia que os ricos que antes viviam em seu planeta haviam ido para lá, para a primeira colônia da Terra, quando o Tratado Gamma determinou que a situação da biosfera terrestre era irreversível. O tratado que determinou a vida de milhões de pessoas, principalmente as pobres como ela. Um paraíso. Um paraíso nunca antes visto por ela, apenas imaginado. Ocupando sua superfície luminosa, ela podia ver sombras longas, os prédios maiores que as minas que ela cavava com as próprias mãos. Um lugar de felicidade.

Ficou imaginando se mais alguém via aquilo. Depois pensou se alguém na lua conseguia ver aquela grande bola cinza que era a Terra. Será que eles pensavam como era horrível viver ali? Como era triste ter de cavar e cavar sem nunca usurfruir daquilo que tirava das rochas? Será que eles sabiam que se continuassem assim, a lua ficaria exatamente como a Terra? Será que eles sabiam, desde o começo, que antes, muito antes, havia uma chance de uma vida digna para todos? Claro que sabiam. Só não ligavam.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Fera-Humana 6

Data: 29 de Janeiro
Hora: 00:21
Local: Crowne Plaza Hotel.

Depois de pouco tempo de táxi até o hotel, um dos mais próximos do aeroporto, segundo o taxista, eles haviam feito o check-in e já estavam acomodados em seus quartos. O hotel era realmente agradável. Recebera quatro estrelas em um catálogo de viagens de Denver, o que o irritava era que oito, das doze malas que carregava tiveram que ficar na Sala de Bagagens. Era bom pensar que, se descobrissem o assassino rápido, logo estariam de volta à sua amada Inglaterra.

Durante o check-in, Stanley pedira que servissem Earl Grey. Estava arrumando seu armário quando bateram na porta.

-Um minuto!-Sua voz ressoou pelo cômodo enorme. Sorriu de lado e mancou até a porta.

-Seu chá, senhor. Earl Grey.-Um homem vestido de terno lhe trouxera o chá em uma xícara de porcelana centralizada exatamente no meio de uma bandeja metálica. Stanley sorriu abertamente. Aquele era um dos seus. Colocou uma nota de vinte libras no bolso do homem, analisando-o. Sem aliança e sem marcas delas. Sua roupa estava impecável, incluindo seus sapatos que pareciam... não, não pareciam, eram novos. Ou aquele homem começara há pouco no serviço ou ele adquirira uma roupa novíssima. O homem se retirou , deixando uma dúvida na mente de Stanley. Ora, jurava que havia visto, nas roupas dos serventes, uma placa dourada com seu nome desenhado, mas não naquele senhor. Ergueu a sobrancelha e levou a xícara aos lábios, congelando em seguida.

Vinte minutos depois, Stanley e Osmond estavam reunidos no quarto do mais velho, discutindo sobre o estranho acontecimento.

-Então acha que o homem não trabalhava aqui?-Osmond perguntava, sentado em uma poltrona fofa.

-Tenho certeza de que não. Por via das dúvidas, não bebi o chá. Joguei-o na planta.-Indicou um bonsai centralizado em uma mesa de centro.-E qual não foi minha surpresa ao achar isto entre a xícara e o píres?-O olhar de Osmond iluminou-se enquanto olhava o pequeno papel com apenas uma palavra escrita em uma letra desenhada, como a de uma criança: Desista.

-E eu que pensava que seria um caso fácil. Alguém da polícia irritado com a justiça dos homens. Acho que esse caso vai ser um belo exercício mental, Stan.-O sorriso de Osmond era quase maníaco enquanto ele analisava o papel.-De manhã começamos nossa pequena investigação.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Fera-Humana 5

Data: 28 de Janeiro
Hora: 21:59
Local: Avião da British Airwais, Meio do Oceano Atlântico, à caminho de Denver.

Desde que o avião havia decolado, ele não abrira os olhos, suas mãos estavam cravadas nos braços do assento e seus ombros curvados. Isto fora há quatro horas. Respirava aos saltos, fazendo barulho e balançando as pernas no soalho do avião. Cansado daquilo, Osmond respirou fundo e deu-lhe uma cutucada nas costelas com o cotovelo. Stanley nem se moveu. O mais moço revirou os olhos e bateu com força em seus costelas, fazendo Stanley saltar, a costela doendo.

-Por Deus, está louco? -Perguntou, esfregando-as, o cenho franzido.

-Há! Essa é boa, olha a que ponto cheguei: Stanley Exupéry perguntando se eu estou louco!-Disse, a voz contida.-Você está há quatro horas desse jeito, o avião não vai cair!

-Não ligo a mínima se o avião cair desde que eu não tenha de ver todo o sangue!-Conforme falava, mais pessoas começavam a olhá-lo, algumas haviam claramente acabado de despertar. Osmond encolheu-se na poltrona, afundando o queixo no peito.

-Como fui aceitar ir para outro país com você? Só embarcar já foi um problema. Você disse: "Minha mala está pronta", mas na verdade queria dizer: "Minhas doze malas estão prontas". Ah, sem contar com as malas de comidas e bebidas enlatadas que foram negadas no aeroporto! O que acha que vai acontecer? Os vermelhos vão lançar bombas nos Estados Unidos justo quando estivermos lá?-Perguntou, a ironia evidente em sua voz.

-O quê? Quem falou de vermelhos? Onde conseguiu essa informação?-Stanley havia levantado, apoiado na bengala, seus olhos estavam do tamanho de bolas de golfe.-Por Deus, vamos todos morrer! Vermelhos vão destruir o país inteiro durante nossas férias! Como se não bastasse um serial killer!

Com isso, foi um pandemônio. Tudo começou com um murmúrio que logo se tornou uma algazarra, todos temiam que os sovietes fossem derrubar o avião. Um passageiro calvo, de terno de tweed, gritou:

-Todos estão tão preocupados com os sovietes que nem ouviram a parte do Serial Killer! Temos um assassino em série no avião, que Deus nos ajude!-Foi fantástico, o nível de gritaria aumentou. O culpado de tudo, Stanley, se sentou, incrivelmente sério, um belo disfarce para seu medo.

Ao descer do avião, todos rogavam pragas contra os dois amigos. Após pegarem as malas, saíram sob os murmúrios e vaias dos passageiros. Stanley ia na frente, mancando, carregando uma mala, seguido por Osmond, branco de fúria, carregando duas (sendo que apenas uma era dele). Quatro metros atrás dos detetives vinham três funcionários do Aeroporto Internacional de Denver carregando o resto das malas. Ninguém parecia exatamente feliz ali exceto Stanley.

Alma

Faz tanto tempo que não escrevo aqui que quase esqueci o Login e a senha como aconteceu com o Simbiose, antecessor deste. Não escrevi porque não queria, e porque muitas coisas aconteceram. Coisas demais, considerando-se o período no qual me encontro: férias. Portanto, tinha coisas demais na cabeça e a menor vontade de postá-las aqui. Mas, finalmente, esta semana uma idéia me surgiu...

Não costumo sair muito de casa por ser um pouco anti-social. Nas férias, então? Viro quase um zumbi. Mas também, considerando-se que moro em uma cidade universitária, não há muito o que fazer nas férias. Meus amigos estão em suas casas, em outras cidade ou até em outros estados. Os que moram aqui têm tanta opção quanto eu. Nada de noite e de dia é esse calor infernal. Não sei, talvez este seja apenas um dos atributos negativos da classe nerd, mas não gosto de sair de casa.

Porém, depois de dois meses sem sair a não ser que fosse extremamente necessário, sinto vontade de explodir o mundo (principalmente quando estou cheio de preocupações) e, para não fazê-lo (pois sem ele não teria sobre o que escrever), saio de casa. Foi o que fiz na segunda-feira (31), saí de casa, peguei um ônibus, e cheguei no centro da cidade. Imaginava que estaria como sempre nas férias e feriados longos, vazio e deprimente. Mas, para minha surpresa, a cidade estava cheia, alegre, o som de malas deslizando pelas pedras portuguesas do parque Halfeld, jovens de mãos dadas, namorando, rindo. Sério, a mudança é espetacular. Geralmente não gosto de lugares cheios, mas fiquei satisfeito em ver a cidade que eu moro ter sua alma de volta.

Talvez tenha sido isto que tenha me ajudado a ter sobre o que escrever. Se não fosse isso, eu ia esquecer os dados do blog e, na internet, haveria mais uma página abandonada.

Mas eu me conheço. Hoje, regozijo-me ao ver os jovens da minha faixa etária, mas amanhã, ah, amanhã é outra história.