quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Deuses da Morte

Às vezes, imagino-me como um asteca: criado para acreditar no politeísmo (Quetzalcóatl, Uitzliopochtli, Tlaloc...), em uma sociedade completamente diferente da nossa, bastante estável, se comparada com alguns países da atualidade, talvez até mais sábia...

Ao falar com o sacerdote, ouço uma velha profecia, assim: "A terra queimará e haverá grandes círculos brancos no céu. A amargura surgirá e a abundância desaparecerá... Será o tempo da dor, das lágrimas e da miséria. É o que está por vir." Lembremos que fui criado para levar as palavras do sacerdote como a mais pura verdade, não havia a hipótese da mentira. Surpreendentemente, o que mais me assusta não é toda a destruição programada, mas o tom de urgência da última sentença do sacerdote. Ele havia dito "É o que está por vir" com uma entonação que sugeria que, muito em breve, tudo o que eu acreditava seria vaporizado pelos ares.

O tempo passa e eu volto lentamente ao trabalho já que, como Macehuali, eu sempre tenho o que fazer.

Certo dia, um jovem (bem mais jovem que eu), corre até o Tlatoani para lhe dizer que havia visto deuses com corpo brilhante e quatro patas e duas mãos. Eles estavam vindo.

Foi a primeira vez que vi um espanhol. A princípio concordei com o jovem. Eram deuses que falavam estranho e soltavam gritos bestiais que nem um Macaco-da-meia-noite soltaria. Depois, porém, eles se dividiram, dando origem a um homem (brilhante, talvez, mas homem como nós) e uma besta (a parte que soltava os tais gritos).

Não entendo bem porque, mas nunca gostei daqueles forasteiros. Tinham bons sorrisos, mas olhos maus. Tive, é claro, que suprimir este pensamento, já que o sacerdote alegava que eram deuses vindos para proteger-nos do nosso profetizado fim.

Acho que não preciso dizer como essa história terminou, mas vamos lá: foi nosso fim. A profecia se provou verdadeira quando os intrépidos exploradores decidiram que queriam a terra. A nossa terra. A qualquer custo. Utilizaram de suas magias, controlando os trovões, imbuindo de pestes os tecidos que nos davam.

Às vezes, apenas às vezes, agradeço por viver no Brasil do século XXI, onde a crueldade permanece (ou até mesmo aumentou de intensidade) mas, pelo menos, é mais às escuras.



Glossário:
Tlatoani: Chefe asteca
Macehuali: Agricultor asteca, aldeão.
Quetzalcóatl: Deus dos sacerdotes
Uitzilopochtli: Senhor solar da guerra
Tlaloc: Deus da chuva, da fertilidade e da abundância agrícola.

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