segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Fera-humana 2

Como se eu fosse tentar refrear aquele instinto que tentava me dominar com todas as forças...

Meu "eu-lunar" era como uma coruja. Ficava parado, escondido no mundo do meu cérebro, mas quando eu menos esperava -ou fingia menos esperar- ele saltava com tamanha fúria e paixão que eu não podia e nem queria pará-lo.

Cinco semanas decorreram-se sem mais incidentes dignos de nota após o caso do Magnata que eu confessei em rabiscos confusos no meu caderno de anotações. Eu achei que aquilo deveria ter sido o que chamávamos, no Direito, de Crime Passional (e a paixão era por justiça). Meu "eu-solar" tentava me convencer que fora um caso à parte, que aquilo nunca mais viria a acontecer, que o cheiro de cobre do sangue dos injustos nunca haveria de banhar minhas roupas novamente -roupas essas que nunca mais encontrei- e que eu havia de contentar-me com aquilo.

Mas eu sabia que não era assim... sabia que em breve, muito breve, minha fera-humana saltaria, rugindo, por cima do corpo de um injusto.

Foi dois dias após o aniversário de cinco semanas do meu primeiro crime que aconteceu. Um outro crime, dez vezes mais hediondo e o pior, sem propósito algum: Cansado de pagar pensão, um companheiro de classe, advogado, matou seus filhos gêmeos de 5 anos afogados na banheira. Não haveria um julgamento completamente justo do caso. Ninguém faria com ele o que ele fez com os filhos. Não era assim que nosso governo trabalhava.

No instante em que li aquilo no jornal, minhas mãos começaram a tremer. Depois de um minuto eu as contive. Joguei o jornal no lixo da rua sem ler mais nada. Mais uma vez tive um apagão e quando eu acordei, estava deitado no chão de minha sala. Levantei-me e notei duas sacolas, uma continha luvas pretas e a outra, roupas brancas, novinhas, em uma compra que não me lembrava de ter gasto 117 libras. Por mais que ainda fosse crepúsculo, meu "eu-solar" não tinha poder algum sobre mim agora. Vesti-me lentamente, colocando por último as luvas. Conscientemente, me perguntava como acharia minha vítima, mas inconscientemente eu já tinha a resposta. Saí quando a noite se iniciava. Andava a passos largos, punhos cerrados, desviando das pessoas que encontrava pelas ruas úmidas. Agora um estalo em minha cabeça trouxe a mensagem de meu inconsciente para meu consciente e eu sabia onde Carl Montgomery estava. Segundo o texto do jornal ele havia matado os filhos impulsivamente, às sete horas da noite. Tomando isso pelo fato e considerando-se que a casa dele estava sitiada e as investigações ainda não haviam começado em favor da greve na polícia, eu tinha certeza de onde ele estava. Como ele não tinha casa de veraneio, devia estar no único lugar seguro para ele, na casa dos covardes: na casa da sua mãe.

As mães sempre são facilmente enganadas pelos filhos. Principalmente quando este filho paga-lhe as contas. Mas não fazia sentido! Como diabos eu sabia onde era a casa? E me recordei... em meu apagão eu fiz uma pequena investigação. A casa vitoriana de Miss Montgomery, sempre florida e iluminada, estava fechada e, aos fundos, tinha as linda begônias completamente amassadas, perto de uma janela. Ele estava lá, com certeza. Uma hora se decorreu até que eu cheguei na casa, arfando a blusa colada ao peito, o vento frio fazendo meus pulmões reclamarem. Sorrindo, entrei pela janela que havia sido forçada por Carl. O imbecil, por medo de ser pego, arranjou um jeito fácil de ser morto.

Esgueirando-me pelo corredor comprido da grande casa, vi que a velha senhora dormia de porta aberta. Estava sem seus aparelhos auditivos. Sorri abertamente e fechei a porta com cuidado.

Demorou um pouco para eu descobrir que Carl dormia no porão, como um rato. Queria ver o medo em seu rosto, então, preparado para um grito, cutuquei-o.

-Ora, ora, vejam se não é o pai do ano! - Antes que ele gritasse qualquer coisa, soquei-o em cheio na boca, partindo-lhe alguns dentes. Segurei sua garganta com força até que ele desmaiou, sem ar. Respirando fundo, ergui-o e subi as escadas até o térreo. Saí pela garagem e coloquei-o no carro, preso por um lacre plástico. Liguei seu carro e ia sair, trancando a porta, quando disse: -Não se esqueça, pai do ano, a morte por sufocamento é a mais terrível de todas. -Saí a passos curtos e eufóricos para a calada da noite. Dois dias depois, meu porteiro comentou comigo:

-Viu o que descobriram? Aquele pai que matou os gêmeos afogados? Encontrado morto na garagem da mãe. Sufocamento por carbono.

-Verdade? -Perguntei, fingindo admiração.

-E eu acho bem feito, sabe? Dizem que foi suicídio. Burrice, ele tinha os dentes quebrados e marca de soco no rosto. Acho que um justiceiro fez seu trabalho nele. Pois pode apostar, que se eu o encontrasse, apertaria-lhe ambas as mãos!

Sorrindo, subi as escadas para meu apartamento.

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