segunda-feira, 4 de julho de 2011

Fera-Humana 9

-Rapaz, essa história está começando a ficar ruim para nosso lado. Melhor tomar providências, dizia uma voz rouca e forte que parecia estranhamente errada, visto de onde saía. Saía dos lábios de um homem em seus "trinta-e-muitos", loiro, de barba bem feita e olhos de um verde claro que, sob a luz do sol pareciam muito bem ser azuis. Olhos enganadores de uma pessoa enganadora. O homem realmente parecia alguém a ser admirado. Admirado, não. Protegido. Parecia um filhote de um animal especialmente "bonitinho" que precisava desesperadamente de uma mãe, de um protetor. Na verdade, ele não era assim. Pelo menos não agora. Podia aparentar uma beleza infantil e calma, mas os olhos verdes (no escuro eram, definitivamente, verdes) cintilavam de uma maneira cruel e impiedosa e aquela voz cavernosa realmente acentuava aquele Eu-Lunar do homem.

-Nós sabemos que não há providência alguma a ser tomada. Se nós simplesmente pararmos de tomar conta de tudo e nos mudarmos daqui, irmos, não sei, para o México ou o Canadá -nossa tia não mora no Canadá?- eles nunca vão conseguir pegar-nos. Ficaríamos livres e limpos!, a voz que saía do mesmo homem agora era completamente diferente. Era mais baixa e acanhada mas, definitivamente, doce. Seu olhar também mudara. Parecia buscar um meio para fora daquele apartamento escuro de cortinas de veludo. O Eu-Solar dele parecia um homenzinho nervoso, daqueles que se vê em desenhos animados, atormentados pelo Pica-Pau. Tinha até um tique nervoso: seus dedos da mão direita batucavam na mão esquerda incansavelmente.

Thomas Gunner era um homem dividido. Dividido em dois como o dia, parte Lunar e parte Solar. Bem, todos nós somos, não é verdade?  Mas não daquela forma. Thomas Gunner fora completamente dividido em dois por seu trabalho. Literalmente. O problema é que antes o Eu-Lunar aparecia só em situações nas quais fosse necessário, mas agora? Bem, agora ele vivia um diálogo infinito em sua cabeça. Talvez as coisas tivessem mudado pois ele dera muita liberdade para seu Eu-Lunar. Tornara-o forte. Inflava-lhe o orgulho ser uma espécie de justiceiro e não se lembrar dos pequenos detalhes sujos que aquele "serviço" requeria. Agora era tarde e todas as ações que tomava (desde acordar até que livro ler) eram arduamente discutidas pelas duas vozes (em sua cabeça -quando estava entre pessoas- ou em voz alta, quando estava em seu apartamento, sozinho). Houvera uma vez na qual a discussão fora tão dura que ambas as partes gritavam uma contra a outra, atropelando-se, fazendo Thomas engasgar e cuspir de raiva até que foi interrompido pelo bater na porta. Era apenas o vizinho com medo da briga entre Thomas e seu convidado. Não houve muito problema em dispensá-lo, afinal.

Mas agora, as mentes focadas naquela discussão sobre tomar ou não providências contra o avanço significativo dos detetives Exupéry e Champollion o deixava extremamente ocupado. Tinha casos a cuidar, mas não tinha cabeça para aquilo. Precisava se proteger antes de proteger outras pessoas, não é mesmo?

-Para quê? Porque deveríamos sair de nossa terra, a terra de nossos ancestrais!? Podemos resolver isso com duas mortes. Eles não podem ser tão espertos. E nós temos uma vida aqui! Um emprego! Pessoas a punir, seja pela Justiça dos Homens ou pela Justiça da Lâmina!

-Isso não resolveria mais nada! Ou você acha que Exupéry e Champollion seriam os últimos detetives a tentar solucionar casos tão glamurosos quanto o de assassinos mortos misteriosamente após serem liberados!? Fomos estúpidos ao saírmos com o anel de formatura sob a luva! Cometemos um erro fatal e devemos nos redimir saindo daqui!

-Puritano tolo! Não cometemos erro algum! Isso só torna o jogo mais divertido! Eles estão muito perto e quando sentirem o nosso cheiro, estarão em nossa mesa, implorando por misericórdia. -E então estava decidido. A voz doce calara-se sob a potência da voz rascante e a decisão fora tomada. Thomas Gunner mataria os dois. Nas próximas treze horas.

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